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A aldeia global constituiu-se através da construção de redes e de contatos internacionais entre continentes. O comércio é planetário, sendo que as áreas produtivas colocam os seus produtos nos antípodas a preços competitivos. A globalização não se limitou ao comércio ou às indústrias mas à cultura e às produções científicas. É objeto deste texto, precisamente, a emergência de indicadores bibliométricos a nível mundial e as consequências que esses indicadores podem ter a nível regional – nomeadamente sobre a cultura científica portuguesa.
Vamos por partes: no mundo anglo-saxónico impôs-se o FI Impact Factor, inicialmente desenvolvido por Eugene Garfield, como o mais importante indicador. Como se mede o impacto de um artigo? Nada mais simples, eis a fórmula «incolor»: o FI da revista de um determinado ano é igual ao número de citações do periódico nos dois anos anteriores a dividir pelo número de artigos publicados no mesmo intervalo temporal. Deste modo sabemos, para uma dada revista científica, o número de citações médio que um artigo obtém. Temos, porém, de ter em conta que grande parte das revistas científicas não entra no número obtido para o denominador da fórmula, mas apenas as constantes numa listagem determinada (listagem essa que tem vindo a ser alargada).
Qual é o perfil do artigo de sucesso neste estado de coisas? É sobretudo o artigo de revisão de uma determinada área. Ele fornece o estado da arte de uma parte da ciência e é de caráter abrangente. Entrevemos aqui o modo como o critério quantitativo pode desencorajar a inovação e a descoberta científica.
O FI, no entanto, assumiu um papel fulcral não só na construção de outros indicadores mas como importante fator na avaliação da excelência de centros de investigação, de cientistas, sendo ainda
relevante para ajudar a selecionar quem vai ser financiado ou não. Interrogam-se Ruiz, Greco & Braile (2009): será que a citação é realmente uma garantia de qualidade?…
É claro que existem outros indicadores que se apoiam até na análise de outras bases de dados. O que é certo e que o atual estado de coisas suscitou já diversas obras de resistência (Altbach, 2006; Monastersky, 2005). Sublinham Pinto & Andrade (1999) que são as revistas científicas mais populares a alcançar os maiores índices de impacto e não as consideradas melhores pela própria comunidade de investigação. Realçam também que fatores tão inesperados como a letra inicial do nome do investigador ou ser o primeiro ou segundo autor influenciam as citações obtidas e, assim, refletem-se não só na excelência do investigador (o índice h) mas consequentemente no ranking atribuído à própria revista.
Não vamos aprofundar mais a crítica do modo como se efetua a avaliação do impacto do trabalho científico. Situemo-nos, finalmente, em Portugal. Para um investigador português, quais as opções que tem ao dispor? Ou perguntando de outra forma, que revistas nacionais são consideradas, por exemplo, para o cálculo do FI?
Obtivemos o nome de três revistas indexadas na Thomson Reuters (a empresa que gere o FI) são elas: Acta Medica Portuguesa; Acta Reumatológica Portuguesa; Ciência e Técnica Vitivinícola; Revista Portuguesa de Pneumologia; Statistical Journal; European Journal of Psychology of Education e a Revista Lusófona de Educação. É um número constrangedor que deixa amplas franjas de atividade científica lusitana sem lugar para expor os seus trabalhos.
Sem local nenhum? Restam as revistas internacionais incluídas nas grandes bases de dados, existindo aí uma preponderância da língua inglesa. Em língua portuguesa há ainda as brasileiras que vão aumentando em número.
A situação é, pois, paradoxal. Um investigador, que queira intervir na comunidade em que vive, vê essa tarefa esvaziada de
impacto simbólico: não conta nem para o seu currículo (no que diz respeito aos indicadores de que falámos), nem para as decisões de financiar ou não projetos em que esteja envolvido. No fundo, a comunidade científica nacional, não se impõe em revistas próprias, mas apenas submetendo os seus trabalhos lá fora e, maioritariamente, noutros idiomas.
A globalização abre portas e cria oportunidades, favorece o trabalho em equipa, a construção de redes internacionais… mas à custa do nacional… Num pequeno país como o nosso, a ciência e a atividade «local» são como que garrafas lançadas no oceano – querem fazer-nos querer… Mas não tem que ser obrigatoriamente assim, ter-se-á de criar indicadores nacionais que espelhem o trabalho no interior das comunidades locais – leiam-se nacionais. Isto, com certeza, não desresponsabiliza as equipas editoriais das revistas lusitanas de se internacionalizarem e aumentarem a visibilidade.
A luta desenfreada pelo impacto internacional, de que dependem tantas outras decisões, acaba por aumentar, por vezes de forma dramática, a distância entre a produção científica nacional e as suas plateias «naturais» quer sejam elas constituídas por jovens investigadores, alunos ou se denominem genericamente de grande público. Não nos esqueçamos que, como relembra Morin, o cientista tem a obrigação ética de, finda a investigação, explicá-la aos cidadãos da comunidade a que faz parte.
Existe, pois, uma tendência fraturante no processo de globalização da produção científica. O local deixa de ter interesse, uma vez que gerará pouco fluxo de citações. Deste modo, as comunidades científicas locais interessam-se pelas revistas de maior projeção, afastando-se, em última análise, da realidade territorial em que se encontram inseridas. É este um dos desafios que se põe à comunidade científica nacional: de que modo poderá equilibrar a sua visibilidade internacional com o dever ético de estar próximo das populações em que se insere? De que modo poderá manter a visibilidade global do português como uma das grandes línguas planetárias?