O título do texto pode remeter para crianças sem abrigo ou menores em risco, mas… nada disso… Talvez seja melhor começar por acompanhar um dia típico de um dos progenitores de um desses meninos. O pai, de manhã, desce à garagem do prédio que habita, para levar o filho ao colégio e segue para o emprego. A criança fica lá o dia todo, almoça lá. No final do dia tem aulas de hipismo ou de ballet noutro extremo da cidade. A essa hora um dos seus pais aguarda-o para o levar pelo meio do trânsito e de filas intermináveis. Convive com outros meninos.
Ao fim de semana os pais saem do grande Porto e vão visitar os avós à «aldeia» ou a outra cidade do norte do país. O filho brinca então com os primos que também fizeram percursos semelhantes.
A família vive num moderno apartamento mas não conhece quase nada do local onde vive: entra e sai do prédio pela garagem, faz compras num hipermercado perto do local onde um dos membros do casal trabalha e nos fins de semana já se vê: a maior parte deles são passados fora.
Atentemos agora à rede de amigos da criança. No colégio, os colegas são dos locais mais díspares. As aulas de hipismo ou de ballet são noutra zona completamente distante. Nas poucas vezes que sai à rua, a criança sente-se um pouco constrangida: não conhece quase nada e quase ninguém no local onde vive. Os anos passam-se mas as coisas não melhoram. É agora um adolescente e detesta ficar fechado em casa «é uma seca!» e «ir para a rua fazer o quê?» Não tem amigos naquela zona…
Pede constantemente aos pais que o levem ou o deixem ir para casa do amigo x u y que moram bastante longe. É então que se habitua à net (se não for mais cedo): é nas redes sociais ou nos jogos ligados em rede que pode encontrar as pessoas que lhe são próximas.
Os pais ficam alarmados: ele passa o tempo ligado ao computador. Não sabe que perigos podem nascer daí. Mas agora não digam mais nada: o adolescente está sentado na sala, mergulhado num ecrã, conversando com amigos. Teve uma educação excelente com atividades interessantes, bons colégios mas não se esqueçam: ele é um dos meninos que não pertence a lugar nenhum.
O desenraizamento social pode assumir diversos rostos. As crianças com trajetórias semelhantes às acabadas de esboçar acabam por perder o sentimento de pertença a um lugar. Pudera, para além do percurso propriamente dito, o espaço onde se insere o apartamento também não é o que se pode chamar de convidativo.
O mundo virtual pode ter aqui a função de voltar a aproximar o que ficou longe – pela arquitectura urbana e pelos usos que os pais fazem dela. Os pais fizeram tudo pelos seus filhos menos dar-lhes um «lugar».