A tecnologia influência a nossa forma de pensar e de agir, a própria perceção do tempo e dos espaços. Isso aconteceu com a introdução dos comboios e a popularização do automóvel, por exemplo. A construção de uma rede de auto-estradas possibilitou um estilo de vida e opções profissionais impensáveis para gerações anteriores. Cada vez mais as pessoas vivem num local e trabalham noutro bastante distante. Noutras situações, é a própria profissão que exige essa mobilidade.
Um objeto que modificou radicalmente as relações humanas foi precisamente o telemóvel. É um instrumento que proporciona portabilidade e instantaneidade nos contatos. A palavra é composta pela partícula tele, do grego distância e móvel que nos remete para a ideia de mobilidade. A nova ferramenta possibilitou ainda a emergência de uma nova linguagem. Tracemos-lhe alguns contornos.
O dar toques e depois desligar pode ter um sem número de significados: por exemplo, «quando te der um toque estou em tal lugar e encontramo-nos em Santa Catarina». As mensagens escritas são também um campo fértil. O português foi sofrendo modificações com abreviaturas, sinais, palavras truncadas e palavras novas. A economia comunicacional pressiona a escrita para novas áreas. Nomeemos o caso do não verbal grafado: os risonhos, tristonhos, o sorriso (lol – «laugh out loud» algo como «rir muito alto» ou mais livremente «rir às bandeiras despregadas») são apenas os exemplos mais conhecidos.
Os telemóveis modificaram ainda o modo como nos encontramos ou marcamos encontros. Já não é necessário definir com precisão o quando e o onde. Basta um simples: «encontramo-nos amanhã ao fim do dia?»; «Ok, depois dou-te um toque». E já está. A modificação dos planos acontece a um ritmo cada vez mais rápido. Já não é necessário esperar num café, aguardar que todos cheguem. Cada um vai fazendo a sua vida e esperando que os outros vão aparecendo – no café, no jantar ou depois no bar em que todos ficarão uma parte da noite.
Uma mãe queixava-se de um filho, pois nunca sabia, quando ele fazia as suas saídas noturnas, o que se ia fazer. O seu grupo de amigos mudava facilmente de planos: de local de encontro, das pessoas envolvidas e até do que iam fazer concretamente (ir ao cinema, a este ou àquele bar).
Depois é assustador (ou pelo algo para nos pôr a pensar) ver os alunos adolescentes nos recreios das nossas escolas que, em vez de confraternizarem, estão sempre a olhar como os minúsculos ecrãs dos seus telemóveis. É uma hipnose coletiva: em vez de se confrontarem com o desconforto inicial de conhecer novas pessoas, de gerir eventuais situações de conflito ou de definir o seu lugar no interior de determinado grupo, preferem a suspensão mágica que estes dispositivos acabam por oferecer.
Como será estar num lugar e noutro (pelo telemóvel) ao mesmo tempo? Os adolescentes estão nos recreios e falam com amigos ou familiares que estão noutros espaços. À medida que o fazem constituem uma forma de lidar com o seu presente. Será mesmo possível estar em dois lugares ao mesmo tempo? Mesmo com a ajuda das novas e mais avançadas tecnologias? Ou então o telemóvel servirá apenas para não se estar onde deveria estar?
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Originalmente publicado na A Página da Educação,Inverno 2011