Beber vinho é dar emprego a um milhão de portugueses. O slogan salazarista é por demais conhecido. Incentivava o alcoolismo e uma economia que lhe era associada. Este tipo de mentalidade foi difícil de ultrapassar por diversas gerações de educadores. No entanto, os ganhos políticos sobrepesaram todos os inconvenientes: o estar ébrio suspendia o mal-estar social ou, pelo menos, canalizava-o para o interior das famílias.
Qual é o cimento das nossas sociedades democráticas? Quais os mecanismos de controle social que asseguram a alienação e por consequência o conformismo? Poderíamos elencar uma infinidade deles. Queremos, porém, abordar neste texto, a questão do crédito ao consumo.
Façamos um exercício publicitário adaptado aos dias de hoje: contrair uma dívida é dar de comer a meia dúzia de portugueses (meia dúzia essa que está cotada na bolsa – isso é muito importante – e os portugueses afinal até podem não o ser).
O paralelismo é evidente em muitos aspetos. Vejamos: nos dias de hoje o incentivo ao consumo é omnipresente e central. Desempenha um papel fulcral para manter a procura, aliás nos últimos anos foi um dos principais motores do nosso (escasso) crescimento económico.
Os ganhos políticos são também de apreciável importância. A conflitualidade social tem vindo a baixar. No fundo, as pessoas não querem envolver-se em greves ou em protestos quando têm de fazer face a tantas dívidas no final do mês. Outros tantos pensam que já têm os bens que necessitam e acham não ter grande coisa que ver com o que se vai passando entre nós.
Acontece, porém, que o modelo do endividamento e do consumo está a entrar em falência, o nosso país foi constrangido à austeridade – o dinheiro ficou subitamente caro, como se diz em economês. Também nós, simples cidadãos, teremos de modificar hábitos. Ganha-se menos e a «vida» ficou mais cara.
No meio desta transição o instrumento de controle social que é o empréstimo pode transformar-se no exacto oposto. Um pouco por todo o lado há pessoas a não conseguir honrar os seus compromissos. As casas são devolvidas aos bancos, o número de pessoas que põe gasolina e sai sem pagar é também crescente. Olhando para outros países vemos que a conflitualidade social começa a tornar-se mais visível – e isto por muito menos do que o que já aqui se passou.
A que novos equilíbrios iremos desembocar? E que sacrifícios terão mais de ser feitos? E por quem?
(escrito em 2012 e ainda atual?)
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(fotografia do autor)
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