A informatização da fantasia

Logotipo do jornal Primeira MãoImaginem um mundo em que os desenhos das crianças fossem delineados e «pintados» em computadores. Imaginem um país em que as histórias não são contadas por avós ou pelos pais mas por televisões. Imaginem crianças que só brincam ocasionalmente com os seus brinquedos e que passam a maior parte do tempo livre em frente de ecrãs. Imaginem ainda algumas consequências deste estado de coisas… As crianças não podem interromper as histórias para propor alternativas ou formular perguntas, pois a televisão só interrompe os desenhos animados por causa da publicidade.

Suspeito que já estão a adivinhar o país a que me refiro… Conto-vos agora um pouco mais… Suponham que, nessa cidade, as crianças resolvem os problemas entre si através dos telemóveis. Um irmão e a sua irmã zangaram-se ao arrumar as bicicletas, discutem mas depois continuam o conflito através de mensagens escritas. O diferendo é finalmente, sanado através de risonhos e imagens de lábios carnudos, simulando o beijo.

Em suma, uma miríade de dispositivos tecnológicos mas no coração de todos eles um ecrã. Milhões de pessoas preferem olhar esses ecrãs a ver o mundo – e a aprenderem esta lição desde pequeninos.

Vivemos uma época em que a imaginação e a fantasia estão a ser padronizados, transformados em produtos que se vendem. Poderão objectar que muitos aplicativos permitem algum grau de interacção entre o utilizador e o software. Em todo o caso é preciso ter em consideração que um clique não substitui um desenho ou a interacção entre a criança e o adulto. Um clique é, essencialmente, um input para uma máquina.

À medida que o inumano invade as relações, que o simulacro se torna mais atractivo do que o real, como nos posicionarmos?

Muitas famílias, com meios para acederem aos bens da sociedade moderna, passam as suas noites divididas entre vários géneros de ecrãs: no telemóvel, computador, televisão mas também nas consolas e dispositivos semelhantes.

Mais uma vez, como reagir?

Ressuscitamos para aqui a palavra «serão», no sentido que o tempo colectivo, passado em família, pode ser preenchido de um modo infinito: jogos, conversas, actividades conjuntas… É tempo de reduzirmos os ecrãs à sua real dimensão de pequenos nadas na vastidão do mundo.

Originalmente publicado no semanário Primeira Mão, 20 de setembro de 2011.

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