O tempo do agora: velocidade em circuitos informáticos. O convite ao escritor para se transformar imediatamente em espetáculo. O autor cientista: número de artigos e portfolio de citações em publicações nacionais e estrangeiras. O autor literário: obrigação de se vender, de se publicitar em redes sociais – portfolio de likes e de comentários.
A importância então do ser visto: a importância do exterior e da velocidade. A velocidade que se dirige a lado nenhum: também esse olhar dos outros carrega o vazio – comentários circunstanciais e redutores.
Um autor que não tem tempo para escrever a sua escrita no interior de si. Um leitor que não se dispõe à verdadeira leitura. Também aqui a preocupação é outra: o leitor, também ele, deseja tornar-se espetáculo, uma imagem para outrem: mas quem estará nesse lugar? Apenas a vaidade?
Neste sentido, a velocidade tecnológica é uma prisão. Varre do horizonte a vontade de emancipação. Procede através do mais aterrador dos gestos: destrói autor, leitor, o próprio lugar desta troca simbólica. No seu espaço ficará situado, doravante, o espetáculo. Um espetáculo que se situa no exterior das coisas, que apenas imita os seus gestos: aplausos (muitas vezes irrealistas – «isto é o melhor texto do mundo») ou então críticas eivadas de um ódio primário, um ódio que pretende a destruição do texto e do seu autor, num só movimento. Como se a constatação que a existência de um Outro, radicalmente diferente do Outro em nós mesmos – ou no dizer de Coimbra de Matos: do sujeito que deverá ser percebido no Outro – não fosse motivo de meditação, de reflexividade, mas despertasse o impulso para a sua eliminação – ódio ao pensamento.
Lyotard pergunta-se: «As máquinas de hoje, com a sua velocidade fulgurante, de que estão em falta?» (do que precisam?). De nada, exceto da falha ela mesma: uma falha que exige sempre mais do mesmo – mais produtividade, mais subserviência à subjugação do tempo; menos lugar à emancipação e à autonomia psíquica.
Esta dominação vem agora instalar-se no apoio psicológico e psicoterapêutico: instalam-se agendas eletrónicas padronizadas – inaugura-se a possibilidade de contabilizar consultas, testes passados, e seus resultados, como nunca foi possível até hoje. Também, nós, psis, seremos sistematicamente subjugados à ditadura do tempo-performance? O computador como um terceiro elemento na relação de ajuda?
Começámos este texto com o par autor-leitor, abordamos agora a informatização do apoio psicológico. No interior destes espaços, como em muitos outros na nossa sociedade, o viver apenas no exterior, em função de um suposto olhar vazio do Outro – materializa-se em likes, em fotografias de partes do corpo, das refeições que vamos ingerir ou em vídeos encenados de tudo isso – a cacofonia das redes sociais. Este aparente espaço de liberdade é frequentemente enquadrado por esse desejo de resultados exteriores, da transformação do real em números:
«Associada a esta tendência inscreve-se a da modelização e representação sistemática do real sob a forma matemática…» (Maria Teresa Sá, 2017, p. 57)
Vivemos uma era então em que a pos-escrita e a pos- psicoterapia tendem a tornar-se cada vez mais frequentes. E entendemos aqui a partícula «pos» como uma forma de expressar esse viver exterior, espetacular, mas menos nutritivo, que traçámos um pouco erraticamente neste texto.
Como nos situarmos então? Como resistir?
Para a escrita, um símbolo: a caneta, a sua sombra lenta sobre um papel em branco – um gesto de emancipação. Para a mudança psicológica o Amor, a abertura às emoções e ao novo.
Terminamos, então, com as palavras de Coimbra de Matos:
«Por isso, a verdadeira criação é a criação a dois, co-criação, co-construção. Criamos – e só verdadeiramente criamos – na relação com o objecto, externo ou interno, sobretudo com este. Só é criador quem atingiu a constância do sujeito no interior do objecto (primeiro passo da existência psicológica) [existo porque fui amado é o subtítulo do meu último livro] e guardo vivo o seu objecto – “constância do objecto interno” (Margareth Mahler), segundo passo da construção psíquica.»
Referências Bibliográficas
Matos, A. C. (2007). A função da psicanálise na ressignificação de vínculos pré-existentes e na construção de novas ligações: o processo de mudança na cura analítica e a mudança no processo analítico. Comunicação apresentada na Conferência no II Congresso Luso-Brasileiro da Psicanálise.
Lyotard, J. F. (1990). La mainmise. Autres Temps. Les cahiers du christianisme social, 25(1), 16-26.
Sá, M. T. (2017). Da escuta nos tempos que correm. 53 64 In Conhecimento de si na sociedade do conhecimento Luís Fernandes (ed.) Porto: Apuro Edições.
Ótima análise!
Fantástico!