A especulação económica e financeira norte-americana, com especial incidência na vertente imobiliária, foi durante alguns anos o motor da economia mundial. Um motor que depressa nos levou para o virtual e para o reino das suposições. Cada vez mais os rumores precipitaram gigantescos movimentos de capital. Os bancos europeus, através de fundos e todo o género de aplicações, agora apelidados de tóxicos, foram arrastados na corrente.
A crise imobiliária, ou a bolha financeira, revelou que tudo se tratava de inexistências: o mercado imobiliário estava sobrevalorizado e, no fundo, essa suposta riqueza nunca existiu. As finanças internacionais entraram em crash e o sistema bancário perdeu liquidez e credibilidade.
Fazendo tábua rasa de qualquer sistema ideológico, os estados europeus foram encorajados a injetar capital no sistema. Tratava-se de evitar falências (ou de as minimizar) e credibilizar alguns dos principais agentes dos mercados financeiros. Qualquer movimento de pânico poderia ter consequências catastróficas.
O movimento especulativo deslocou-se então do mercado imobiliário, depois de salvo pelo esforço dos estados, apontando baterias à especulação das dívidas soberanas. Ou seja: o capital que foi salvo pelos estados morde a mão que lhe deu de comer. É paradigmático aqui que Portugal destine uma soma importante do recebido via Troika precisamente ao sistema bancário. A ruína deste sistema teria consequências danosas que todos reconhecemos… mas quem vai pagar o esforço de todos estes erros de um mercado internacional desregulamentado e cego?… O trabalho…
Aqui chegados há que fazer uma reinterpretação de todo o movimento. O mercado internacional, depois de constatar que a riqueza que supunha no mercado imobiliário era inexistente, procura agora extorquir a riqueza que ainda permanece nas mãos dos trabalhadores por conta de outrem. Porque tudo o resto começa a viver (ou sobreviver) numa economia paralela.
Outro factor importante tem que ver com um reequilíbrio de forças a nível mundial. A Europa especializou-se nos serviços e na transformação de produtos através da tecnologia, incorporando-lhes mais-valias. Ambas as vertentes pressupõem matéria-prima barata, quase grátis, e mão-de-obra escrava algures no planeta.
Acontece, porém, que os países emergentes passaram a procurar essa mesma matéria-prima extraída por mão-de-obra escrava. Aliás, nos seus processos de desenvolvimento económico deixaram, eles próprios, de disponibilizar tanta mão-de-obra escrava.
É um reequilíbrio: se uns tornam mais ricos (ou menos pobres) outros tantos têm de percorrer o caminho inverso: tornar-se menos ricos – ou mais pobres, conforme a circunstância de cada um.
E o que sucede no nosso café lusitano?
Durante anos, décadas, os estados europeus, nomeadamente os do sul e ainda mais nomeadamente o nosso, foram incentivados a não produzir. Arrancaram-se vinhas, reduziram-se as explorações agrícolas. Toda uma estrutura têxtil, proveniente dos primórdios da nossa revolução industrial foi desmantelada. Até setores estratégicos da nossa atividade marítima foram relegados para segundo e terceiro plano, acabando reduzidos funções praticamente vegetativas – como por exemplo a nossa frota de pesca.
Entretanto, com um mercado de trabalho em recessão, surgiram dois movimentos complementares e de tendências opostas: o financiamento de mão-de-obra não especializada, de forma a mantê-la fora do mundo do trabalho (o rendimento mínimo agora RSI); a aposta na formação e abertura de inúmeros cursos, em incontáveis universidades, criando uma massa de técnicos superiores sobredimensionada às necessidades do exíguo mercado de trabalho nacional.
A crise precipita estas duas populações em dificuldades económicas. A mão-de-obra indiferenciada tende a emigrar ou a tentar sobreviver com apoios insuficientes. Os jovens licenciados ou mestres pós-bolonha mergulham no desemprego, em ocupações indiferenciadas ou também na emigração.
Dois percursos, destinos semelhantes…