Rejubila uma certa direita, normalmente da área ultra-liberal, com a morte simbólica de Marx. Elenco alguns argumentos: o capital foi capaz de prevenir a organização do proletariado internacionalmente; conseguiu-o dissolver; grande parte das previsões do filósofo não aconteceu. Outros riem-se da crise do capitalismo considerando que os lucros das grandes empresas sucedem-se em catadupa – apesar de todos os sobressaltos e fronteiras políticas.
Um conceito central do marxismo, o materialismo dialético, dá conta de grandes forças que se opõem numa sociedade e a transformam. O desenvolvimento das forças de produção acaba por destruir ou levar à mudança os modos de produção. Noutros termos e respetivamente: o trabalho, as formas em que ele se organiza.
Podemos encarar a globalização como uma vitória do capitalismo. Ou então como algo a que foi obrigado pelo desenvolvimento do trabalho. Ao longo da segunda metade do século XX, no Ocidente, o trabalho foi capaz de se dignificar e de conquistar regalias.
O trabalho tornou-se caro, impôs-se aos modos de produção, obrigando-os a se internacionalizarem. Porque, o materialismo dialético, conceito fecundo, ainda não podia antever um outro mais atual, o de sistema.
A oposição de contrários que Marx analisou, decorreu fundamentalmente no Ocidente, mas a globalização deu oportunidade aos modos de produção de se reinventarem, procurando trabalho barato noutros locais do planeta.
Quem está antes do quê? Quem triunfou sobre quem?… São respostas difíceis… Os modos de produção conseguiram montar novas formas de exploração, tomando posição de força contra o próprio trabalho no mundo Ocidental.
É o fim da história? A história nunca acaba. Aliás, existem diversas forças centrífugas que complexificam a análise. Novamente: o proletariado dissolveu-se não só através da deslocalização do emprego mas da sua automação (produz-se mais com menos pessoas, o que introduz tensão no sistema); os Estados vão tentando garantir algum poder de compra aos excluídos deste jogo; a desvalorização do trabalho no Ocidente poderá formar novos proletariados, desta feita de técnicos superiores; finalmente, o capital passou a não valorizar a criação de mais-valias para elevar aos píncaros a especulação financeira – o símbolo desprende-se do significado… com que consequências?
Neste momento, assiste-se a uma desvalorização do trabalho no Ocidente, ao mesmo tempo que nos países emergentes, fenómeno oposto se observa: milhões de pessoas entram por ano na classe média. O capital move-se sem restrições de maior pelo mundo assenhoreando-se de cada vez maiores fatias do bolo. É só ver o que acontece com as pequenas e médias empresas um pouco por todo o lado.
Que trabalho estará disponível no futuro? O industrial parece cada vez mais dominado pela automação dos processos. O trabalho especializado formará novas massas de proletários? Qual a relação que as nossas sociedades estabelecerão com o trabalho (uma grande parte dele tornado desnecessário)?
Eis algumas incógnitas… No entanto, e uma vez que o capital é global, obrigará forçosamente o trabalho a pensar-se à escala planetária. Estamos, pois, perante um enorme (ainda que incipiente) movimento social, tradicionalmente uma área das esquerdas políticas.
Outro pólo de conflitualidade e resistência ao capital global é o território e os níveis de identidade que ele gera: a nossa ligação à cidade, à aldeia mas também ao país e à cultura (língua, valores, história, etc…) A globalização implica movimentação de trabalhadores, emigração, conflito de culturas.
A humanidade organiza-se em torno de grupos de pertença que são postos em causa por muitos movimentos, como a emigração, a criação de outros níveis de identidade (por exemplo as que advêm do mundo virtual, da Europa, do mundo entre muitos outros. Introduz-se aqui o vetor da geoestratégia: os povos, as nações, os blocos de nações conflituam e cooperam diplomática, comercial, cientificamente – em que medida conseguirão conviver com um capitalismo especulativo e supersónico que parece não conhecer fronteiras? Tratamos de um campo tradicionalmente pertença a movimentos políticos conotados com a direita.
Não reconhecer estas tensões é não compreender o recrudescimento, em certas localizações geográficas, de algum ideário ultra-nacionalista e mesmo nazi. As sociedades implicam conflitualidade, constantes redefinições: não aceitá-las e, sobretudo, não circunscrevê-las é abrir portas sobre o incontrolável.
O capitalismo transnacional e especulativo instalou-se como player global, como sói dizer-se. Entrevemos, nas consequências que implicará para o trabalho, um campo para a esquerda reinventar-se. No ajustamento geoestratégico que desencadeia vimos também a oportunidade de uma reinvenção das identidades territoriais – os nacionalismos. No fundo, a oportunidade de uma direita solidária se afirmar. Aquela direita que já hoje se opõe às agendas ultra-liberais.
Desenhamos assim a traços largos e impressionistas (como poderia ser de outra forma para um elemento que está submerso neste movimento histórico?) um novo cenário em que as opções políticas terão de ser exercidas. Numa visão abrangente preocupa sobretudo a forma como elas poderão combinar-se de forma funcional que não traga demasiadas guerras e destruições.