A mobilidade, conceito central nas sociedades modernas, exigiu que as nossas vidas fossem construídas de acordo com os seus ditames. Comboios, metros, autocarros mas também vias rápidas e automóveis levam-nos a todos os lugares da cidade. O espaço urbano está pensado de acordo com as suas exigências. Os percursos profissionais exigem essa mobilidade e maleabilidade. Não se trata apenas de desenvolver competências mas também de poder aplicá-las em diversos locais, por vezes bem distantes entre si. Este bem, indispensável na atualidade, é objeto de pesadas taxas e impostos. Vejamos: o automóvel é sujeito a imposto de circulação; taxa máxima de IVA para manutenção; imposto sobre produtos petrolíferos nos combustíveis que consome. Como se isso não bastasse, existem também as famigeradas portagens (e os percursos portajados invadiram inclusive espaços de trânsito urbano e metropolitano).
Que alternativas há? E que opções elas configuram? Sob a designação de transportes coletivos agrupam-se os autocarros, metros e comboios. Ora, no passado recente a bilhética de todos estes sistemas de transporte foi agravada. Para uma família com três ou quatro membros que se desloque diariamente o para o centro portuense não compensa o transporte coletivo. Mas aí, se não se tem estacionamento no local de trabalho, é-se alvo fácil dos parques de estacionamento com tarifas assustadoras.
Os movimentos são, pois, contraditórios: fala-se em favorecer o transporte coletivo mas impõem-se bilhéticas paradoxais. É neste contexto que se falou em portajar o veículo que entre no centro da cidade – citando-se o exemplo londrino – como uma medida de rara inteligência.
A mobilidade é um bem central que está caríssimo. É um elemento central para a competitividade das empresas e dos trabalhadores nacionais. Resta-nos a última alternativa que seria o andar a pé: não fossem as distâncias médias entre local de trabalho e domicílio assustadoramente proibitivas. Evocamos a questão do ir a pé de uma forma irónica mas também amargamente ilustrativa. É que as cidades já não estão feitas à dimensão do humano mas do binómio humano máquina. Muitos dos novos hospitais – veja-se o de Braga – ou centros comerciais e constataremos que são não sequer pensados para serem alcançados a pé mas antes de carro ou de outra forma de transporte.
É esta uma das armadilhas do urbanismo contemporâneo: não é pensado para o homem mas para o binómio homem automóvel (ou mais raramente outro meio de transporte). As consequências expressam-se depois no dispêndio de energia – combustíveis – os movimentos pendulares em termos de tráfico. E as consequência em termos de saúde mental que este estado de coisas implica em muitos de nós. Os relatórios de saúde que elencam vários indicadores estão aí. No nosso país, o consumo de antidepressivos e ansiolíticos estão a níveis assustadoramente altos.
A forma como pensamos nas nossas cidades, ou melhor como as não pensamos, terá a sua quota-parte na explicação deste estado de coisas.
Rui Tinoco
*
Também poderá estar interessado em ler:
A cidade moderna: mobilidade e anonimato
Estratégias da indiferença: a cidade normativa e a outra cidade