Há anos atrás fomos brindados com diversos filmes que evocavam a nostalgia da rádio. A música dos anos 50 e 60 confirmava a irreversibilidade de um tempo que passou e nunca mais poderá regressar. Os dias da rádio. Uma outra imagem, esta bem portuguesa, ficou-nos guardada na retina: António José da Silva no filme O Leão da Estrela traz uma telefonia para casa e é toda a família que se debruça em torno do aparelho…
A convivialidade, nessa época, não estava capturada pelos imperativos da eficácia e da performance. A telefonia demorava o arranque, os programas trabalhavam a mensagem e a reflexão dos ouvintes. Era a própria noção de tempo que se encontrava distendida: o silêncio podia dialogar com a melodia e retardá-la (ao passo que as músicas de hoje têm medo do mutismo).
Acima de tudo, a decisão de ouvir rádio ou ver televisão era uma escolha, entre outras, de passar o serão. O automatismo com que actualmente ligamos os aparelhos contrasta com esses gestos pensados. É tudo imediato: o som irrompe, instantaneamente, a seguir à pressão do interruptor.
Por outro lado, o transístor portátil e o walkman operaram uma mudança radical na nossa relação com o espaço radiofónico: tornaram-no solitário, apropriável pelo gosto individual. O tempo contraiu-se e quebrou-se, tornou-se fragmento.
Os imperativos da vida moderna tornaram os contactos fugidios. A escuta da rádio confinou-se a dimensões comezinhas: o noticiário das horas certas, o relato desportivo. As horas de ninguém podem também servir para escutar rádio: o automóvel parado pela hora de ponta é exemplo disso. É uma escuta imediatamente descartável, em todo o caso. Não é uma escuta para construir um pensamento ou uma reflexão. Quanto muito há sorrisos, há leves cogitações que logo se diluem.
Daí a simplificação das mensagens: o teatro e a novela radiofónica desapareceram. Os sentidos são breves, de compreensão imediata. Há, igualmente, a repetição de pequenas peças: as notícias imitam-se a si mesmas ao longo do dia, a peça humorística não desiste de fazer sorrir uma e outra vez.
É como se ninguém estivesse a ouvir os programas… A emissão radiofónica seria outro ruído estranho a somar à nossa rotina ensurdecedora e tristemente urbana.
In O Primeiro de Janeiro, 23 Julho de 2007
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