Telenovelas e educação emocional

Logotipo do jornal Primeira MãoAs telenovelas constituem uma estrutura narrativa bastante peculiar. A história desenvolve-se em torno de personagens com características muito vincadas: X é mau, Y extremamente ingénua e sofredora. As paixões e os ódios sucedem-se em catadupa. Presenciamos diversas discussões em que os gritos e as mentiras acabam por predominar. A todas estas bizarrias acontecem estranhos desenvolvimentos: a paixão arrebatada e eterna desvanece-se no episódio seguinte para, no início da semana, ser completamente substituída por um novo amor.

Em suma: emoções fortes que despoletam discussões, desacatos e mentiras; personagens incoerentes que assumem pouca responsabilidade face ao que sentem (e isto quer os bons, quer os maus – carreguemos no raciocínio dicotómico). As telenovelas procedem através do espectáculo em que o presente acaba por diluir tudo – o que está passado e o que poderia advir no futuro.

Na nossa prática clínica deparámo-nos com várias crianças de cinco e de seis anos que diziam que o programa de televisão de que mais gostavam era precisamente uma telenovela. Foi perante este panorama que nos interrogámos: quais as consequências que estas preferências acarretam? Que modelos emocionais estão a ser disponibilizados para os mais novos?

Claro que podíamos colocar aqui a questão das práticas parentais e das regras existentes em casa. No entanto, o que nos impressionou em primeiro lugar foi reflectir sobre a natureza de um produto que capta audiência desde a infância à terceira idade. Depois, o assunto deste texto: que modelos emocionais fornecemos nós aos mais pequenos, não só no que concerne a uma certa coerência emocional mas também ao modo de expressão dessas emoções?

Os desacordos implicam invariavelmente impulsividade, alteração de voz. Muitos dos diferendos mergulham os personagens em complicadas tramas de vingança. Outros ainda em complicadas pantominas que acabam por desaparecer e dar espaço a novas peripécias como se não tivesse existido ontem nem amanhã. Eis os modelos com que os mais novos – e já agora todos os outros – acabam por conviver diariamente através da televisão.

Podemos sempre escolher a via menos problemática. Com efeito, é mais fácil apelidar as gerações de rasca e apontar-lhes este e aquele defeito, mais difícil é assumirmos as nossas responsabilidades e falhas como educadores. Educar não se cinge à sala de aula, nem sequer às famílias, mas também implica a reflexão sobre outros contextos como a questão da influência dos mass media. Impõe-se estudar aqui a influência da publicidade e também a natureza das histórias que são disponibilizadas. Chamamos atenção para os modelos de expressão emocional que são veiculados pela televisão.

Encarar-se a educação emocional como um campo complexo e global é, deste modo, incontornável em termos do desenvolvimento salutogénico das populações. Já é tempo de incentivarmos uma saúde mental harmoniosa entre nós.

Originalmente publicado no semanário Primeira Mão, 30 de Abril de 2011.

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