As teorias liberais e neoliberais negam a capacidade do Estado gerir o dinheiro. Mais especificamente de o injetar na economia. Será muito mais eficaz deixar aos privados essa tarefa.
Assim, desde o início dos anos setenta, os bancos centrais emprestam a bancos privados, a taxas de juro muito confortáveis, por forma a que eles administrem essa entrada de dinheiro no tecido produtivo de cada sociedade. Existem, pois, instituições que têm acesso privilegiado à riqueza.
Esta injustiça é menos visível em tempos de crescimento económico. No entanto, a banca privada no seu todo falhou esta função social ao lançar-se em movimentos especulativos de infinita magnitude. Para isso, houve necessidade de criar mais dinheiro para a economia. Porém, quando a bolha imobiliária rebentou, constatou-se que esse dinheiro não correspondia a riqueza real e que era, em si mesmo, um produto tóxico.
As instâncias europeias, concretamente, decidiram não deixar que a banca falisse. A bolha imobiliária continuava a evidenciar a existência de dinheiro a mais na economia – leia-se dinheiro mal injetado pelos bancos privados na economia. Eis então o risco da inflação e desvalorização da moeda que o Banco Central Europeu (BCE) sempre temeu.
Estamos, pois, em crise e no fundo perante a necessidade imperiosa de retirar dinheiro de circulação. Novamente: deixar algum banco ir à falência é opção implausível para os decisores.
O que fazer então?
A política de austeridade é, se pensamos bem, isto: pedir responsabilidade aos Estados para fazer essa recolha do dinheiro. Os impostos, as taxas continuam a aumentar apesar do seu objetivo explícito falhar desde o início: o aumento das receitas. Cumprem, isso sim, o objetivo de retirar o dinheiro excedentário. O BCE, por exemplo, recebe agora dos Estados o pagamento das dívidas a juros confortáveis (quando emprestava a 1% à banca privada no período de crescimento).
O que acontece assim à economia real, ao tecido produtivo? É destruída e descapitalizada num movimento que é imperioso – recolher dinheiro que não corresponde a riqueza – mas não através da falência da banca. A Europa opta por, bem vistas as coisas, preservar o seu sistema especulativo em detrimento do seu sistema produtivo e real – movimento que é já anterior a este momento histórico.
Quais as consequências destas decisões para a competitividade da Europa, face aos blocos continentais que se estão a formar e que com ela competem? Catastróficos… mas, em grande medida, ainda inimagináveis.
Enfim, deixando de fora as análises particulares e de grupos de interesse interiores aos Estados, ou até lutas de carácter geoestratégico, esta é, parece-nos uma parte substancial da «big picture».
(imagem obtida aqui)
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