O binómio homem-máquina – crónica

Logo do Porto 24 ilustra trabalhos de Rui Tinoco

Porto

A propósito do último texto, diversos leitores chamaram a atenção para a importância da bicicleta como instrumento para a afirmação de novas formas urbanas de mobilidade. Nada tenho a obstar. Um dos assuntos que me motivou então foi o impacto que cidades não pensadas à escala humana têm no nosso quotidiano. Em que medida o consumo desmesurado de ansiolíticos e antidepressivos pode ser também compreendido à luz de um quotidiano desumano.

Ou seja, a bicicleta pode ser solução para quem vive na cidade, mas não o será para quem, por exemplo, tem de efetuar percursos diários entre a Póvoa do Varzim e a baixa do Porto. A verdade é que o Grande Porto não foi sequer pensado para o binómio homem bicicleta.

Dizem também que não haverá nada necessariamente errado na nossa relação com as máquinas. A este propósito, recordo um amigo, Rui Azevedo Ribeiro, que montou uma editora tendo por base dispositivos e formas de impressão já caídas em desuso. Chama-lhes “tecnologias obsoletas” e realmente é mais seguro sentir que as máquinas se tornam inúteis e não nos ameaçam – que se tornam ultrapassadas.

Para muitos de nós é isso que a bicicleta é, como meio de transporte: um instrumento que não serve por ineficaz. É bom pensarmos que os avanços tecnológicos melhoram e aumentam o bem-estar humano. Ou existem nuances mais obscuras do binómio? Se pensarmos nas novas psicopatologias associadas ao uso da internet ou no número de pessoas viciadas em videojogos, teremos bastante com que nos preocupar.

Existe também a crescente robotização que elimina vários empregos humanos. O controle laboral tornado possível por programas informáticos que nos querem cada vez mais número, cada vez mais performance sem pensamento.

O binómio homem-máquina (no sentido lato do termo) é bom? Será mau? Se calhar, as duas coisas ao mesmo tempo. As máquinas servem-nos, mas também nos controlam e até alienam – por exemplo, as crianças viciadas em consolas portáteis que já não estão nos recreios das escolas como se costumava estar. Deixaram de querer agir no mundo real porque agem com um simulacro desse mesmo mundo projetado no ecrã.

As máquinas ficam obsoletas e surgem outras mais eficazes que até nos substituem em certas tarefas. São mais céleres? Produzem mais e melhor? Certamente. Mas terá de chegar uma altura para dizer: “basta: sou humano e isso dispensa mais explicações”. A eficácia não pode servir de receita universal, se hoje apelamos para o consumo de produtos portugueses, amanhã poderemos ter de fazer o mesmo em relação a produtos feitos por mãos humanas (manufaturados versus mecanicofaturados).

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