O estilo de vida urbano, em que os imperativos da eficácia e da performance são cada vez mais evidentes, possui uma vertente de destruição que não é despicienda. O discurso ultra-liberal fala de empresas e de sociedades como se não existissem seres humanos. O problema é que eles existem: têm de levar os filhos às escolas, antes de iniciar o trabalho, não conseguindo coordenar todos os papéis que têm de desempenhar ao longo das vinte e quatro horas.
À medida que os anos decorrem, as dificuldades aumentaram, por isso não é de estranhar que, num estudo dirigido pelo Observatório Nacional de Saúde, se tenha chegado à conclusão que 60 por cento dos utentes dos centros de saúde analisados, tenham relações de dependência com pelo menos um psicofármaco. O problema é mais visível nas mulheres do que nos homens e tem tendência a agravar-se com a idade. O sexo masculino refugia-se, com mais frequência, no abuso de álcool e de outras substâncias de carácter ilegal.
As patologias depressiva e ansiosa têm vindo a assumir-se entre as perturbações mais frequentes no mundo ocidental. No entanto, o facto de medicalizarmos o sofrimento não é capaz de o resolver. Atermo-nos aos sintomas, deixa de lado as causas como se não existissem. O anti-depressivo ou o ansiolítico têm efeitos imediatos sobre a tristeza e o “nervoso”, mas ficam por aí. Não queremos saber que, esses sintomas, são formas que o nosso corpo e a nossa vida mental têm de comunicar connosco, dizer que alguma coisa não está bem.
Em termos de sociedade, o sofrimento mental dos indivíduos fornece-nos inúmeros dados sobre a maneira como vivemos. Assim, o discurso da competitividade, a subida aos píncaros da performance, acontecem apesar de muitos indivíduos. É só escutarmos um pouco um noticiário económico: os despedimentos, o fazer mais com menos pessoas… No entanto, ao despedir excluímos seres humanos e os que ficam, tornam-se reféns de uma pressão de resultados que vai aumentando.
Voltamos então à ansiedade e depressão, respostas saudáveis a um mundo que nos pede o impossível. Reflictamos, depois, nas famílias destas pessoas, amarradas a um sofrimento disfarçado de medicação, na qualidade dos afectos que podem dispensar aos de quem delas dependem. Que género de gerações estaremos nós a criar? Os ingredientes são assustadores: pouca disponibilidade temporal para viver em conjunto; a televisão como forma de não ver essa solidão vivida a nível familiar; finalmente, pais tristes e ansiosos.
É necessário ler estes sinais… É urgente encetar macro-políticas de promoção da saúde mental… antes que a bola de neve seja demasiado assustadora.
In O Primeiro de Janeiro, 09 Janeiro 2008.
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