Muitas das festas tradicionais associadas à nossa civilização têm vindo a sofrer profundas alterações. Sem nos arriscarmos muito a falhar, essas modificações apontam no sentido de uma mercantilização da simbologia das datas, pressionando o grande público a aumentar o seu consumo. Por outras palavras: estimula-se a vontade de comprar acima de qualquer outra significação.
Temos vindo a assistir, nos últimos anos, à sobreposição do Halloween em detrimento do Dia de Todos os Santos e dos Fiéis Defuntos. Um pouco por todo o lado os jardins-de-infância e as escolas do primeiro ciclo básico (vulgo, as primárias…) organizam festas em que as abóboras e as bruxas desempenham um papel central. É necessário adquirir uma série de produtos, de máscaras a chapéus… A imensa máquina de marketing pôs, prontamente, à disposição um sem fim de produtos.
Toda a pantomina que se ergueu em torno desta festa é-nos irremediavelmente estranha, talvez por não se entrelaçar com a nossa própria infância. Imaginamos que, para os mais novos, as coisas vão sendo construídas de outra maneira. Lembramos das exortações que nos fizeram na nossa meninice, a propósito de outra festa, a do Natal, diziam-nos: “esta época marca o nascimento de Jesus, não é o Pai Natal, isso é uma invenção de agora…” A mercantilização das festas tem raízes mais antigas do que se possa supor à primeira vista. Da nossa parte, não estranhamos o Pai Natal porque acompanhou o nosso crescimento, só isso.
Não nos deixa de fazer alguma confusão a profusão sistemática do incentivo ao consumo nestas e noutras festas. É como se todos os marcos importantes das relações humanas se transformassem em objectos de consumo e de massificação. Detenhamo-nos um pouco sobre o que aconteceu com o dia dos namorados ou com as campanhas publicitárias que procuram explorar as potencialidades dos dias da mãe, do pai e, especialmente, o novíssimo dia dos avós. Os afectos familiares estão sob a mira da máquina poderosa que tudo quer transformar em dinheiro.
Cautela!
Enquanto isso, ao chegarmos a casa, a nossa própria filha, mascarada de bruxinha, tentou-nos fazer uma qualquer partida e nós entrámos no jogo: pegamo-la ao colo, sorrimos… fizemos os gestos iguais a de milhões de cidadãos norte-americanos nesta quadra. Será que o nosso país já não é Portugal, mas somente a sociedade de consumo?
In O Primeiro de Janeiro,12 Dezembro 2007.
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