Sem sermos especialistas na área das pedagogias, vamos hoje focar o assunto do mestre e do aprendiz. Isto para lembrar que o acto de aprender envolve, muitas vezes, sofrimento. Interpretamos o acto de aprender no seu sentido mais profundo: a inscrição de um conhecimento na alma. Poderemos, assim, compreender de outra forma a conexão existente entre conhecimento e a dor.
Conhecemos há anos, um bretão cujo pai tinha um atelier de pintura. O nosso amigo bretão viveu a sua infância rodeado de pincéis e de tintas. Desde cedo desejou uma familiaridade maior com esses objectos. Desistiu da escola, insistindo junto de seu pai o ingresso no atelier. O pai finalmente acedeu, atribuindo-lhe a tarefa de limpar os pincéis, trazer material e o mais que se afigurasse necessário.
Passaram-se longos meses. Nesse tempo, o nosso amigo desempenhava as tarefas mais comezinhas, ao mesmo tempo que observava o trabalho do pai. Finalmente, sublevou-se: não queria só limpar pincéis, já era capaz de fazer um certo desenho, utilizando determinada técnica.
O pai deixou-o provar a sua soberba. O aprendiz fez o melhor que pôde e durante a noite esforçou-se por pintar e manejar a técnica. Ao fazê-lo, acedeu ao estatuto de aprendiz. Não nos enganemos, porém: o aprendiz só obteve novas lições na medida em que manifestasse desejo de aprender. Não o contrário. Quem deseja aprender, pede ao mestre. Não é o mestre que vem ter com o aprendiz.
Temos aqui um exemplo do que poderia ser uma relação pedagógica. A primeira lição não se ensina: a primeira lição tem que ver, precisamente, com a motivação. O pai menosprezou o papel do filho, aguardando a sua reacção. Só a fome é que dá vontade de procurar alimento, é que provoca sublevação.
O lugar de aprendiz tem de ser conquistado: é essa revolta que implica vontade de afirmação. Só a vontade do aprendiz pode potenciar o acto de ensinar.
Temos consciência que este modelo não é aplicável ao sistema escolar. Temos a certeza que esta é uma das formas mais eficazes de transmissão de conhecimentos. De qualquer forma, urge tratar a questão da motivação para a aprendizagem nas suas mais variadas dimensões: incluindo as variáveis relacionadas com os alunos e as matérias ensinadas. Em vez de centrarmos demasiadamente a nossa atenção no papel do professor.
O ensino só tem sentido se houver vontade de aprender. Se o aluno quiser ser aprendiz.
In O Primeiro de Janeiro, 26 Dezembro 2007
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