O que nós não sabemos que sabemos. Dois desejos contrários que coabitam, uma solução impossível no pensamento para os tornar compatíveis. Ao longo de décadas, a psicologia foi propondo conceitos para estes estados a propósito desses estados – nomeemo-los um pouco ao acaso: inconsciente, incongruência, dissonância cognitiva.
Dir-se-ia que o cliente vai ao psicólogo para se permitir saber o que de algum modo já sabe. Uma posição redutora? Claro que, num nível abstrato, temos de nos furtar ao detalhe e à exceção.
Mas de que forma o psicólogo pode ensinar ao cliente que já sabe o que não pode – não quer ou não está preparado para saber? Através do não ensino. As técnicas para aumentar a expressividade na consulta servem um pouco este propósito: tornar o monólogo do cliente mais extenso e por isso mais audível – sobretudo para o próprio.
Socorramo-nos aqui de um conceito de Lacan – o mito individual do neurótico. Se nas sociedades coletivas o processo de cura passava essencialmente pela identificação da pessoa com o mito coletivo que problematizava a questão relevante para essa mesma pessoa; nas sociedades em que o primado do indivíduo impera é a sua subjetividade que terá de formular – como se se tratasse de uma descoberta original – esse mesmo mito. O indivíduo diz a descoberta que o fez ver as coisas de outra forma.
É curioso que estes dois grandes esquemas de subjetividade coexistem, mesmo agora, neste presente em que vos escrevemos. Há pessoas a irem a bruxas e curandeiros, outros atribuem a divindades o processo da sua mudança. O que é afinal essa cura psicológica? Apenas o processo de ver as coisas de outra maneira que faça sentido e coerência.
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