Um dos assuntos que prendeu alguma da atenção mediática recente foi o carjaking. Assim, num contexto em que diversos índices de criminalidade descem, o assalto de carros, com sequestro mais ou menos temporário do condutor, registou uma subida na cifra dos trinta por cento. De imediato, um dos alvos prioritários no controle das infracções à lei passou a ser a descida da taxa deste tipo de crime.
A teoria da amplificação da desviância, desenvolvida por vários sociólogos americanos na primeira metade do século XX, e depois aplicada noutra ciências, como por exemplo a psicologia, chama a atenção para o facto de a repressão poder desencadear novas formas de criminalidade. A explicação é simples: quando um certo tipo de crime se torna difícil de perpetrar, só os mais profissionais, de entre os ladrões, o conseguem cometer. A repressão pode ter o efeito perverso de seleccionar os mais aptos.
Em relação ao carjaking, a transposição da teoria é bastante simples: nos últimos anos, com a profusão de alarmes e dispositivos que dificultam as ligações directas, roubar carro tornou-se um crime em que os conhecimentos tecnológicos se tornaram imprescindíveis. De outro modo, como conseguir ludibriar todos os elaborados mecanismos anti-roubo?
Resta a alternativa simples: roubar carro através da pessoa que controla todas os empecilhos isto é, o condutor. Passamos a falar de um tipo de criminoso que passou a barreira da ligação directa, realizada mais ou mesmo à sucapa, não se importando de apontar uma arma e ferir alguém se necessário for.
Não nos enganemos: não defendemos posições de permissividade ou de laxismo, mas uma criminologia que tente compreender as inflexões das taxas dos crimes, socorrendo-se de teorias já há muito formadas a propósito da desviância. No fundo, as interrogações a realizar serão: por que motivo o carjaking está tão na moda entre os criminosos? Qual o impacto dos mecanismos anti-roubo na taxa e no tipo de crimes ocorridos?
Esta reflexão era natural aos criminologistas do século XVIII: estudar a influência que o tipo de penas tinha na taxa de crimes. Sem querer ter respostas definitivas a propósito destes assuntos, deixamos aqui a nossa reflexão. No fundo, o melhor será mesmo deixar uma interrogação: o que mudou, nas condições de vida dos criminosos, para o carjaking se ter tornado tão atraente?
In O Primeiro de Janeiro, 19 Março 2008.
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