Alguns verões atrás sucedeu-me uma experiência bastante traumática. Ia fazer um cruzeiro mas o navio teve uma avaria. Em vez de embarcarmos, a companhia propôs-nos uma outra viagem. Tratava-se de um voo de avião até a uma ilha Canária, onde ficaríamos instalados num bom hotel.
Aceitámos a proposta, acompanhados por bastantes pessoas na mesma situação. À chegada, porém, apercebemo-nos que tínhamos sido ludibriados. Pretendiam colocar-nos noutro estabelecimento, de inferior categoria e na costa norte da ilha – onde o clima é mais rigoroso. A agitação foi muita, imensos protestos. Acabámos por ser vencidos pela situação, uma vez que eram já quatro horas da manhã e todas as pessoas acabaram por ser levadas para o hotel que não queriam.
É neste contexto que se desenrolaram os acontecimentos que inspiraram este texto.
No primeiro dia no hotel indesejado, surgiu um senhor que disse representar a companhia de cruzeiros. Confrontava-se com uma sala cheia de passageiros revoltados e alterados. Exigíamos que os pressupostos que nos levaram àquela ilha fossem cumpridos.
Admirei a pessoa que com uma grande coragem se aprestava a ter assim um grupo tão extenso de pessoas contra ele. E, por longos momentos, teve de ouvir todo o nosso mal-estar que, por vezes, transbordava nos insultos – aos quais ele se sentia ofendido (por vezes excessivamente ofendido), sublinhando a importância do respeito para se levar toda esta situação a bom porto.
A partir de certa altura, ele começou a insistir na ideia de terminar o plenário e iniciar as negociações individuais. Para cada caso, propunha uma sessão e um acordo compensatório. Na altura trabalhava num projeto e uma das minhas funções passava por sistematizar uma série de boas práticas a respeito da condução de dinâmicas de grupo, o que se passou a partir de então era precisamente o oposto do que defendia.
O senhor da agência pretendia dividir o grupo, diminuir a sua expressividade como um todo. Daí a importância que ele dava ao término do plenário. Todos se recusaram. A meio de manhã propôs um intervalo para poder ligar para a companhia e todos tomarem qualquer coisa.
O manipulador fez então uns telefonemas e iniciou uns breves diálogos com estes e aqueles. Alguns de nós, mais aflitos, insistiam em respostas imediatas. E as promessas começaram a ser feitas.
Decorridos alguns minutos lançaram-se os rumores de o representante estar a prometer enormes benesses, por exemplo: o prolongamento das férias por mais uma semana; inúmeras excursões grátis à ilha. Quis certificar-me pessoalmente dessas prodigalidades. Fui imediatamente acalmado: todas as exigências seriam satisfeitas. Aos poucos, graças a conversas parcelares, ao uso do boato e de promessas desencontradas o grupo foi-se desfazendo.
Decorridas menos de duas horas, todo o quadro se tinha modificado. Os que estavam inflexíveis, exigindo o que tinha sido contratualizado, encontravam-se sozinhos e seria assim que teriam de resolver os seus problemas. Os que aceitavam as novas ofertas teriam de falar com uma secretária, num balcão improvisado na sala de estar do hotel.
Uma das assistentes de viagem do dito senhor manipulador, à medida que saía da grande sala onde tinha decorrido a reunião e se deslocava para a improvisada secretaria, ainda teve o descaramento de lançar o repto: «espero agora que respeitem o vosso compromisso…»
Quando a minha observação científica terminou não esperei muito: a nossa agência levou-nos para outro hotel, onde pudemos encarar tudo isto de uma nova perspectiva. Olhem por exemplo: escrever estas linhas.
(originalmente publicado aqui)
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