Numa época em que os défices da atenção estão na ordem do dia e que se listam sintomas e quadros nosográficos, parece-nos pertinente refletir sobre alguns factores sociais que poderão entrar em jogo nesta área. Estamos aqui de acordo com Stiegler quando defende que a atenção é também um constructo social que deve ser objecto de intervenção. Trata-se de regulamentar a paisagem audiovisual – um conceito do filósofo francês – de modo a permitir, entre outros aspetos, um crescimento saudável.
Não discutiremos aqui essa ampla ambição. Listaremos apenas algumas práticas tecnológicas que poderão ter consequências negativas em termos de desenvolvimento das capacidades de concentração dos mais novos. Comecemos pelo zapping, a mudança de canal repetitiva, gesto automático que prende os olhos à coisa nenhuma do caos das imagens. Passemos depois às práticas que se fazem do jantar e ver televisão, ver televisão na cama, entre outras situações.
Eis depois as consolas portáteis, objetos altamente aditivos que sugam a motivação dos mais novos – deixando-os quase inertes em relação a outras tarefas do seu quotidiano. E mais: os pequenos jogam quando veem os seus desenhos animados preferidos?
Se nos pusermos na perspetiva das crianças, os efeitos são fáceis de aduzir. Veem os pais a mudar constantemente de canal; não estão habituados a estar em casa de televisão desligada; clicam em links infinitos na internet, ou ainda jogam na consola ao mesmo tempo que dão espreitadelas ao programa que passa num qualquer canal.
Habituam-se a dividir a atenção por um sem número de estímulos. Assim, além de não treinarem essa capacidade de focar a atenção, perdem ainda a intencionalidade dos seus gestos.
É precisamente isso que lhes é pedido na escola: que se concentrem num problema e o tentem resolver. Duas coisas que não estão habituados a fazer em casa: concentrar-se numa situação e estabelecer estratégias de resolução – a tal intencionalidade.
Afigura-se-nos, deste modo, como uma área educativa prioritária, pensar a relação que devemos desenvolver com os meios tecnológicos. Da mesma forma que incentivamos hábitos de higiene ou alimentação saudáveis, deveríamos também elencar regras e difundi-las de modo a que a tenção possa desenvolver-se harmoniosamente entre os mais novos.
Imaginamos desde já algumas ideias no sentido de uma lista de boa prática: um ecrã ligado de cada vez; planear o tempo que se passa com o ecrã (seja ele televisão ou de outro tipo); não ao zapping; direito a desligar a televisão; navegar na net para se chegar onde?
Rui Tinoco, psicólogo clínico
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