Só para europeu ver…

Logotipo do jornal O Primeiro de JaneiroOs sucessivos governos de Portugal têm feito reformas na educação praticamente todos os anos. Se não é com o sistema de acesso às faculdades, é com os conteúdos, removendo matérias mais resistentes, como se no fundo estivéssemos a apagar a nossa memória colectiva. Conteúdos da literatura, da língua portuguesa, da matemática, entre outros, foram considerados supérfluos… e, supomos, que isso diminuiu a taxa de insucesso escolar.

Por outro lado, surpreendemo-nos com cálculos económicos recentemente vindos a lume: gastam-se não sei quantos milhões de euros com a retenção dos alunos. E parece que esses milhões de euros são gastos supérfluos que podiam ser facilmente eliminados. Reprovar um aluno porque não sabe as matérias, e terá que as saber, deixou de ser encarado como um investimento no futuro.

Há também a sugestão de não reter nenhum aluno durante a escolaridade obrigatória… Mas o que acontece e poderá vir a acontecer? Formaremos alunos com cada vez menos assuntos para estudar… que passam de ano independentemente do seu mérito pessoal. Milhares de adolescentes andarão (e já andam) pelas escolas, imbuídos somente dos valores do prazer e do imediato… Óptimas ferramentas para a posterior integração na vida activa.

Para completar o quadro negro acrescente-se a avaliação dos professores… O contexto em que se desenrola o processo é francamente paradoxal: pede-se aos professores que deixem de trabalhar, que leccionem menos, que passem todos os alunos. Rapidamente: que não existam. Mas depois têm de provar a excelência do seu trabalho: criar evidências, índices, escrever projectos e planificação de aulas… Se ultrapassarem todos os obstáculos e forem excelentes o que lhes pode suceder? Terem de se contentar com um “bom” porque as vagas do “excelente” estão já ocupadas.

A preocupação em passar os alunos e ter escolas inclusivas não se aplica aos professores. Para eles, é preciso avaliações complicadas como se estivessem a ser julgados. Até parece que o professor é alguém que está a mais nas escolas e prejudica o processo de certificação dos nossos jovens.

É por tudo o que se disse que propomos uma modificação ao antigo dito “isto é só para inglês ver”. A época é de cosmopolitismo e de encontro de culturas, passaria: “isto é só para europeu ver”.

O Primeiro de Janeiro, 26 de Novembro 2008.

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